O genocídio dos “Gregos Pônticos”

Por Domingos Kiriakos Stavridis – 18/05/2021

Este dia teve como marco a chegada de Kemal Ataturk na cidade pôntica de Samsun, atual centro portuário localizado no sudeste do Mar Negro, na Turquia.

Importante entreposto comercial desde a antiguidade, fundada e batizada como Amisos no século 8º a.C. pela população Jônica de Mileto, hoje mantem apenas a herança do nome de seus fundadores através de sua evolução linguística: εις Αμισόν (is Amisón) para σ ‘Αμισόν (se Amisón) para σ’ Αμσόν (se Amsón) para Σαμψούν (Sampsún) e atualmente Samsun.

Nos anos finais do século 19, Samsun ainda possuía 50% da população de gregos. Similar as outras cidades da região do Ponto, embora isoladas do tronco nacional, sua consciência e tradições gregas permaneceram inalteradas ao longo dos séculos, mesmo após a queda de Trebizonda, sua capital, em 1461 pelos otomanos. Dominaram o desenvolvimento econômico e espiritual da região, mantendo ainda por todos esses séculos uma identidade linguística que ainda retinha elementos da língua Jônica.

Depois de 1914 começou o rápido declínio com desaparecimento total da população grega, além da armênia (que chegava a compor 15% do povoamento de Samsun e teria sofrido já em 1913 tais consequências), devido à perseguição e assassinatos, terminando apenas com o acordo proposto de troca de populações, em janeiro de 1923.

Com a chegada de Kemal a Samsun, em 19 de maio de 1919, em desobediência às ordens do governo otomano, então sob o controle dos aliados ocupantes, ele, junto com outros líderes revolucionários declararam o início do Movimento Nacional Turco. Como resultado disso, a população grega de Samsun, assim como todas as outras cidades ou vilas da região, foram sujeitas a pilhagem, massacre e deportação por grupos irregulares turcos, tendo mais tarde este Movimento empreendido a deportação de dezenas de milhares de gregos locais para o interior da Anatólia.

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Os últimos governos da Turquia moderna rejeitam sobremaneira a existência que tivesse ocorrido neste período, e sobretudo nas deportações, atos de Genocídio ou Democídio às populações gregas. O país deixa claras regras a eventuais acadêmicos, estudiosos ou interessados na recuperação e aprofundamento do assunto dentro do território turco para que se evite o tema. Outra opção seria seguir a linha oficial do governo, fundamentada no fato que as autoridades turcas tiveram de deportar essas minorias étnicas das regiões de guerra por temor que se rebelassem; que muitas mortes teriam ocorrido nestes deslocamentos mesmo com as tentativas das autoridades turcas de protegê-los; além de mencionar que houve amplo material de propaganda por parte dos aliados, no desdobramento da Primeira Grande Guerra, com o objetivo de produzir um sentimento internacional antialemão e antiturco, visando angariar novos aliados no conflito do lado franco-inglês.

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No entanto, fora das fronteiras turcas, durante a época dos acontecimentos, evidencias do contrário já eram conhecidas e circulavam pelo mundo. A própria Alemanha,  que supria bélica e tecnologicamente o exército Otomano, em seus relatórios de guerra verificavam tais práticas. Os Estados Unidos, neutros ainda na guerra, e baseados comercialmente não apenas em Samsun mas em várias cidades na Anatólia, devido a comercialização de tabaco, algodão entre outras comodities, presenciavam os acontecimentos. Seus embaixadores e até mesmo seus enviados das mídias jornalísticas, com interesse na cobertura dos acontecimentos da guerra, reportaram e circularam em jornais aspectos dos genocídios. E ainda, dentro de Constantinopla, por parte do próprio governo Otomano, houve também julgamento e condenação de oficiais e funcionários do governo turco, entre 1919 e 1920,  quando da administração da Capital pelos aliados, apresentando ao júri uma grande gama de documentos turcos que levou vários à Corte Marcial ou a prisão na ilha de Malta, por determinação dos Ingleses.

Retornando à memoria do desaparecimento do Elemento Grego na região do Ponto, não vejo razão para descartar o fato de que o  regime otomano, antes mesmo do movimento revolucionário de Kemal, guardava temor em relação a população grega pôntica. O motivo não se limitava apenas ao seu rápido crescimento, em ter chegado a uma população de cerca de 700.000 no início do século 20, mas também por causa do desenvolvimento cultural e econômico de uma minoria étnica dentro da administração Otomana.

O rápido desenvolvimento da educação grega, na região do Ponto, deu-se nas quatro últimas décadas do século 19. O Decreto Otomano Hati Humayun, editado em 1856, permitiu a administração livre e autônoma das escolas. Em alguns anos a região do Ponto se encheu, literalmente, de escolas gregas de todos os níveis, jardins de infância, escolas primárias, escolas urbanas, escolas de ensino médio, ginásios para prática desportiva e, em muitos centros urbanos  escolas de nível técnico e superior. Uma proporção impressionante para a época, digo, antes da Primeira Grande Guerra. As escolas gregas superaram as do Reino da Grécia, tanto em proporção de alunos por população quanto de professor por aluno, bem como nas oportunidades para o aprendizado de línguas estrangeiras.

Professor G. Manolakis introduz ensino de ginástica Olimpica no Centro Educacional de Trebizonda – 1904
Alunos da 6a. série do Centro Educacional de Trebizonda – 1919
Arquivo: Centro de Estudos da Ásia Menor

O amor e o respeito demonstrados pelos gregos pônticos e a prioridade que deram aos estudos de seus filhos são ilustrados pelo fato de que toda comunidade grega com mais de dez famílias mantinha uma escola grega. Os custos de funcionamento das escolas foram cobertos por membros de suas respectivas comunidades gregas. Esse distanciamento educacional assim como o econômico e concentração de capitais nas mãos destas comunidades causava certo temor às instituições Otomanas, assim como às lideranças de movimentos nacionalistas turcos.

Desta forma, o apoio irredentista destas comunidades para com a ocupação da região do Ponto por parte do Exército Imperial Russo e eventual colaboração no início da Primeira Grande Guerra, não teria sido o primeiro fator a motivar as atrocidades sofridas pela minoria grega. Provavelmente, o “descolamento social”, através da educação e crescimento econômico, ocorrido nas décadas anteriores teria mais potencial para acelerar o Movimento Nacional Turco.

Por fim, trazendo à tona um acontecimento muito recente, veiculado pela mídia no mês de abril de 2021, o mundo foi surpreendido com a firme declaração do Líder da maior potência mundial no contexto do genocídio otomano. O presidente Biden reconheceu os assassinatos em massa de armênios há mais de um século como genocídio, refletindo o compromisso dos Estados Unidos com os direitos humanos como um pilar de sua política externa. Tal fato acende mais um holofote à memoria do Genocídio Grego, relembrado no dia 19 de maio.

Durante anos, a Turquia vem respondendo ao mundo que abriria seus arquivos que cobrem o referido período para uma comissão conjunta de história tratar do assunto, porém nada vinha se consumando. Vivemos novos tempos em que talvez o legado histórico e memória dos gregos que permaneceram fora das fronteiras gregas atuais poderá deixar sua relativa obscuridade de lado e alçar sua merecida visibilidade internacional.

Domingos Kiriakos Stavridis é integrante do Núcleo de História da Aretè Centro de Estudos Helênicos.

Foto de abertura: Panagiotis Savvidis

Veja a exposição sobre o Genocídio dos Gregos Pônticos pelos turcos, que foi realizada em 2016 na estação Sindagma, no centro de Atenas.

Vídeo : Virna Lize (@umabrasileiranagrecia)

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